O Rio e o Brasil precisam do Museu da Escravidão | Diário do Porto


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O Rio e o Brasil precisam do Museu da Escravidão

O Museu da Escravidão, no Valongo, seria uma resposta contra o projeto de esquecimento nacional, escreve Antonio Carlos de Faria

15 de outubro de 2023

Escravidão: Cais do Valongo, por onde um milhão de pessoas escravizadas entraram no Brasil (foto: Revista do Iphan)

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Antonio Carlos de Faria*

O jornalista Laurentino Gomes, no terceiro livro de sua trilogia “Escravidão”, denuncia a ausência no Rio de Janeiro de um grande museu sobre os quatro séculos em que nosso país foi movido pelo tráfico de pessoas negras. O autor, com razão, afirma que a ausência de uma instituição como essa faz parte de um projeto nacional de esquecimento.

Tentar esquecer as questões e não resolvê-las é a primeira condição para que se perpetuem. Nos 135 anos vividos pelo país após o final da escravidão, pouco ou quase nada foi feito para reparar os danos causados à população trazida à força para o Brasil. Também quase nada foi feito para lembrar o tamanho dessa dívida social.

Um grande museu nacional da escravidão, como propõe Laurentino, poderia ser um passo à frente no enfrentamento desse projeto deplorável. E o lugar para isso estaria nos arredores do Cais do Valongo, que nos primeiros 30 anos do século 19 foi o maior porto escravista do mundo, por onde entraram no Brasil cerca de um milhão de pessoas sequestradas na África.

O Cais do Valongo é em si mesmo a comprovação de que o projeto nacional de esquecimento sobre a escravidão é algo que pode e deve ser combatido. Em 2011, durante as obras de requalificação urbana dos bairros da Região Portuária, o local começou a ser escavado por arqueólogos, que removeram camadas de entulho e terra que tentaram escondê-lo das vistas da cidade, desde que o tráfico de pessoas foi tornado ilegal, em 1831.

Essa amnésia brasileira autoinduzida já havia começado a ruir em 1996, quando um casal morador da rua Pedro Ernesto, descobriu que sua casa estava sobre um dos trechos do imenso cemitério formado, nas proximidades do Cais do Valongo, para receber os corpos das escravizados que morriam logo após o desembarque. 

Hoje, na casa funciona o Instituto dos Pretos Novos, uma entidade  mantida por voluntários. Mas falta o grande museu que, à semelhança de instituições existentes em outros países, seja um lugar não só de visitação pública, mas também um centro de estudos e reflexão sobre a escravidão no Brasil e suas consequências em nossa vida cotidiana. Um local que também contribua para lembrar dos que lutaram pela abolição, principalmente dos vários heróis negros, de forma a dar fim à ideia de que o regime escravagista terminou por algum ato de bondade ou conceção dos dominantes.

Em 2017, o Cais do Valongo foi reconhecido como Patrimônio Mundial pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Antes e depois desse reconhecimento internacional, as autoridades da União e do Rio vêm prometendo constituir o grande museu da memória nacional sobre a escravidão. Reuniões se sucedem e nada sai do papel. Esse imobilismo dá a impressão de que o projeto de esquecimento continua ativo. Mas como a história comprova, esquecer não é uma opção.

*Editor do Diário do Porto


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